"Assim, só com 6 anos de idade resolvi rodar a maçaneta da porta que estava sempre fechada.(...)Em bicos dos pés, aproximei-me do fundo da saleta e foi então que pude ver melhor o que ali havia.(...) Foi nesse momento que me apercebi de que havia uma cruz escura pendurada na parede e tinha uma pessoa a ela colada. Carreguei no interruptor para acender o candeeiro e estaquei de pasmo. Era mesmo uma pessoa que estava ali presa naquela cruz! Um homem de cabelos compridos de pano à cintura.
Então tomada de uma coragem que nem tive tempo para avaliar , fui a correr chamar a tia Luísa:
-Há um homem muito aflito com uma coisa má na cabeça. E andaram a furar-lhe os pés e as mãos; e fizeram-lhe uma ferida que deitou muito sangue- avisei.
-Agora tens de dormir- disse-me e acrescentou- amanhã se quiseres, falamos sobre Jesus.
(...)
-Tia, porque é que o anjo de Jesus não o tira de lá?- quis saber(...)
- Jesus tem muitos anjos- respondeu a tia Luísa- Aliás, todos os anjos são dele.
-São?
-Hum-hum - disse ela.
-Então porque é que não fazer nada?- indignei-me.
-Ora! Jesus está na cruz por causa das pessoas que fazem maldades. São elas que vão ter de O tirar de lá. Os anjos não têm nada a ver com o assunto.
-Não?
-Pois não.
-Mas podiam dar uma ajuda...
-Deus não quer.
-Porquê???
- Porque as pessoas é que têm de se modificar e isso só depende delas.
-Mas porque é que as pessoas não se modificam depressa?
-Porque isso é muito difícil. Leva o seu tempo.
-Quanto?
A tia Luísa deu um longo suspiro, antes de responder:
- Até ao final dos tempos.(...) Até os homens conseguirem fazer as pazes uns com os outros.
(...)
Fiquei profundamente desanimada com aquela notícia.
-Eu queria era tirar aquela coroa da cabeça dele...- confessei- aquilo deve doer muito!
A minha tia pegou-me na mão e levou-me, então ao oratório. Quando estava junto da mesa, fez uma vénia e benzeu-se. Depois, voltando a pegar na minha mão, apontou o crucificado:
-Estás a ver a coroa de espinhos? Eu sei que tens pena, mas há uma coisa que tu podes fazer.
-O que é?- animei-me.
-Sempre que fizeres uma boa acção, é como se estivesses a tirar um espinho da coroa de Jesus.
Aquela declaração era absolutamente extraordinária."
Maria Teresa Maia Gonzalez, in A contemplação da coroa
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