O amolador de facas
Tenho o corpo estendido e a janela aberta.
Lá fora, oiço o som do amolador/afiador de facas. É-me estranho neste rodopio de carros, aviões, cafés e mil afazeres. Mais estranho, é perceber que ele existe e anda pelas ruas a tentar ser visto. Aqui?
Se não fosse o som, não saberia que ele se passeia entre as gentes desta cidade (e que grande cidade).
Há qualquer coisa na pequenez deste gesto que me desperta e impele a pensar.
É o pequeno sinal da música que lhe associo.
Estendi-me derrotada na cama, por não saber lidar com algumas situações (aquelas em que me sinto pequena e me apetece ficar simplesmente enrolada), mas agora que o oiço percebo que muitas vezes a marca que deixamos não é visível.
Não será o próprio Deus semelhante?
Anda por entre as ruas, dá-nos sinais, mas nem todos os vemos. Nem todos O escutamos. Talvez porque nunca paramos por momentos para ouvir o que Ele nos pode dizer. Anda entre nós disposto a limar as nossas arestas, dando o melhor de si. Tal como o amolador não se impõe, assim reconheço Deus. Com calma, apenas chamando aqueles que O conseguem ouvir.
Lá fora, o som do apito continua...
Nunca vi este amolador. Provavelmente nunca verei...
Mas o som da sua passagem continuar-me-à presente.
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