Nos desenhos animados

Há dias meio perdidos.
Talvez o tempo não ajude. Talvez as pessoas não ajudem ou talvez seja o vazio do deixar.
Tenho muito carinho por um pequeno livro que comprei há uns anos. Chama-se: "Quero falar-te dos meus sentimentos". Nesse livro, fazem uma analogia entre o diálogo e um jogo de atirar a bola. Podemos ver as conversas de diferentes maneiras. Quando eu atiro a bola (discurso) e a pessoa a apanha, estabelece-se um diálogo. Mas nem sempre a pessoa a apanha, ou eu posso atirá-la para muito longe e aí existe um monólogo.
Tenho sentido que ao "atirar a bola", muitas vezes do outro lado não há uma receptividade para a apanhar e isso custa-me muito. Custa-me a falta de transparência, de coerência e verdade.
Aos poucos vou entrando no mundo real e vou conhecendo a cabeça dos que me rodeiam (é de facto complicada). Não é "entendendo" é "conhecendo". De facto, é-me difícil entender que as pessoas não pensam que com simples palavras podem magoar e que se calhar, por trás de um silêncio, há uma dor escondida. Cada vez se pedem menos desculpas e cada vez menos se reconhece que se errou.
Não há nada de mal sermos nós em todas as coisas.
Não há nada de mal na verdade.
Não há nada de mal em dizer o que sentimos, mas com palavras que não firam o outro.

Ora bolas!..
Hoje estou para isto e há tão poucos que o percebem!
Ninguém está habituado a (re)parar.



"Nos desenhos animados, nunca, quase nunca acaba mal"



Obrigada por tanto, Mãe!




Certeza


"De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre a começar,
A certeza de que precisamos de continuar,
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar.

Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo,
Da queda um passo de dança,
Do medo uma escada,
Do sonho uma ponte,
Da procura um encontro,
E assim terá valido a pena existir!"



Fernando Pessoa

O amolador de facas


Tenho o corpo estendido e a janela aberta.
Lá fora, oiço o som do amolador/afiador de facas. É-me estranho neste rodopio de carros, aviões, cafés e mil afazeres. Mais estranho, é perceber que ele existe e anda pelas ruas a tentar ser visto. Aqui?

Se não fosse o som, não saberia que ele se passeia entre as gentes desta cidade (e que grande cidade).
Há qualquer coisa na pequenez deste gesto que me desperta e impele a pensar.
É o pequeno sinal da música que lhe associo.

Estendi-me derrotada na cama, por não saber lidar com algumas situações (aquelas em que me sinto pequena e me apetece ficar simplesmente enrolada), mas agora que o oiço percebo que muitas vezes a marca que deixamos não é visível.

Não será o próprio Deus semelhante?
Anda por entre as ruas, dá-nos sinais, mas nem todos os vemos. Nem todos O escutamos. Talvez porque nunca paramos por momentos para ouvir o que Ele nos pode dizer. Anda entre nós disposto a limar as nossas arestas, dando o melhor de si. Tal como o amolador não se impõe, assim reconheço Deus. Com calma, apenas chamando aqueles que O conseguem ouvir.

Lá fora, o som do apito continua...
Nunca vi este amolador. Provavelmente nunca verei...
Mas o som da sua passagem continuar-me-à presente.

Aos meus amigos, irmãos que escolhi

Obrigado, Senhor, pelos amigos que nos deste.
Os amigos que nos fazem sentir amados sem porquê.
Que têm o jeito especial de nos fazer sorrir.
Que sabem tudo de nós, perguntando pouco.
Que conhecem o segredo das pequenas coisas que nos deixam felizes.

Obrigado, Senhor, por essas e esses,
sem os quais caminhar pela vida não seria o mesmo.
Que nos aguentam quando o mundo parece um sítio incerto.
Que nos incitam à coragem só com a sua presença.
Que nos surpreendem, de propósito, porque acham mal tanta rotina.
Que nos dão a ver um outro lado das coisas (...).
Obrigado pelos amigos incondicionais.
Que discordam de nós, permanecendo connosco.
Que esperam o tempo que for preciso.
Que perdoam antes das desculpas.
Essas e esses são os irmãos que escolhemos.
Os que colocas a nosso lado para nos devolverem a luz aérea da alegria.
Os que trazem até nós o imprevisível do teu coração, Senhor.

Pe. Tolentino de Mendonça